Não Destruirás a Família

Nosso Deus é um Deus da família. No coração dos planos de Deus para o homem está a família. É a mais antiga e básica instituição criada por Deus entre os homens. Nesta manhã, nós abordaremos um texto contendo duas leis relacionadas à família.Segundo o esboço de Deuteronômio que já observamos em nossas séries, esta passagem está localizada na seção que explica o Sexto Mandamento , “Não Matarás”. Já estudamos nesta seção a extensão de Moisés para o Sexto Mandamento quanto à pena capital e às leis de guerra. Essas, obviamente, encaixam-se no padrão.

Contudo, à luz deste esboço, a passagem diante de nós pareceria, à primeira vista, estar no lugar errado. Essas leis seriam mais relevantes se estivessem na seção anterior lidando com o Quinto Mandamento, “Honra teu pai e tua mãe”. Afinal, esta parte se ocupa dos problemas concernentes às relações familiares.

Mas como sói acontecer, as leis de Deus se sobrepõem e entrelaçam-se umas nas outras como uma vestimenta sem costura. As duas leis sobre que refletiremos nesta mensagem relacionam-se, claro, com o Quinto Mandamento. Mas na forma com que aparecem no nosso texto, elas consideram a família em termos de proteção e sucessão. Estas, portanto, são leis designadas para proteger a família da destruição, da morte moral e espiritual. Por isso, elas se expandem para o Sexto Mandamento: proíbem aquilo que mataria ou destruiria a linhagem familiar. A primeira lei é puramente moral. Não é uma lei civil apoiada pela autoridade governamental. Não contém penalidade criminosa. Não há punição mencionada por quebrar a lei. A segunda lei difere da primeira, sendo ela não apenas moral, mas também civil.


Consideremos essas leis de proteção da família. Consideremo-las tendo em conta seu propósito na aliança. Como essas leis protegem a família inserida na aliança? Comecemos com a primeira:

1. Sucessão da aliança e a criança escolhida de Deus.

Primeiramente, antes de entrarmos no propósito expresso da primeira lei, um esclarecimento importante precisa ser feito brevemente considerando o versículo 15a: “Se um homem tiver duas mulheres”.

Alguns têm assumido erroneamente que essa lei (e outros gostam disso) estabeleceu a poligamia. Este não é o caso. Eles geralmente usam esse tipo de lei para desacreditar a validade contínua da lei de Deus hoje.

É preciso ser notado que a lei diz simplesmente, “se o homem tiver duas mulheres”. Não diz “Um homem deveria ter duas mulheres”. No tempo do Velho Testamento, Deus tolerava a poligamia. Ele não a ordenava. Por essa sentença não queremos dizer que Deus tolerava o mal moral. Obviamente, poligamia não é intrinsecamente imoral, visto que Deus a tolerava naqueles dias. E Ele nunca permite a maldade moral: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1:13ª). No Novo Testamento, contudo, poligamia foi proibida.

Devido ao propósito específico desse caso da lei, nós não vasculharemos os porquês e razões para essa tolerância da poligamia na época do Velho Testamento. Esse é um estudo interessante e importante em si mesmo. Basta dizer, para a nossa atual finalidade, que a Lei aqui não a ordena! Sua presença na Lei não invalida ipso facto a santa palavra de Deus!

Segundo, ao nos preparamos para considerar a lei, é preciso também notar que ela não tem, na sua intenção, o estabelecimento do direito de primogenitura. Isto é, não é dada com o intuito de estabelecer direitos legais para o mais velho, dando-o uma parte dobrada da herança. É assim à luz de três fatores:

(1) Essa foi por muito tempo a prática dos patriarcas, pelo menos desde os tempos de Abraão, mais de 500 anos antes de a Lei ser dada. A forma com que o primogênito é mencionado aqui mostra que a lei da primogenitura é assumida como já existente. Já se supõe que uma parte dobrada da herança irá ao mais velho. A lei existia para estabelecer quem dos mais velhos nessa situação incomum tinha o direito.

(2) A expressão da passagem torna claro que a intenção principal desse caso da lei é proteger os direitos legais do filho da esposa odiada:

“Quando um homem tiver duas mulheres, uma a quem ama e outra a quem despreza, e a amada e a desprezada lhe derem filhos, e o filho primogênito for da desprezada, será que, no dia em que fizer herdar a seus filhos o que tiver, não poderá dar a primogenitura ao filho da amada, preferindo-o ao filho da desprezada, que é o primogênito.”

A referência à dupla herança do filho mais velho é trazida em forma ilustrativa para ajudar a criar circunstâncias. Para ilustrar a importância da proteção dos direitos de heranças familiares, a lei cita o caso hipoteticamente. A mensagem da lei no caso é que os direitos à herança familiar são tão importantes que nem mesmo as vontades do pai podem suplantar o direito do filho primogênito. (Nós lidaremos com isso mais adiante).

(3) O lugar dessa passagem na estrutura de Deuteronômio é útil para o correto entendimento de seu propósito. É encontrada na porção de Deuteronômio que está aplicando o Sexto Mandamento, que ensina “Não matarás” ou “destruirás”. No contexto maior, então, isso é dado para proibir a destruição, a deserção, ou a morte econômica da criança inocente. O conhecido direito à porção dupla é mencionado para lidar com essa questão particular: o direito é mantido mesmo que o pai não goste da criança! Essa lei, portanto, tem uma única finalidade: ensinar “Não desertarás a criança de Deus”. A lei assume que a suposição óbvia é ue a criança protegida é um filho de Deus. Por contraste, a próxima passagem fala sobre o filho não escolhido por Deus e como lidar com ele.

A lição moral que devemos aprender é essa: a família está sobre a autoridade do pai por ordem de criação e lei Bíblica. Mas o pai não é Deus. Ele não pode ser um tirano. Ele não pode determinar sozinho o que ele quiser para sua família. Ele é obrigado a seguir os padrões da Lei de Deus. A autoridade masculina da casa é legitimada e correta apenas se o pai corretamente reflete as regras de Deus. Essa lei assegura que isso é entendido.

Nós vivemos numa era caracterizada pela superficialidade e emocionalismo. O que nos atrai… O que nos faz sentirmos bem… Tais coisas determinam como conduzimos nossos assuntos. Isso é trágico.

O pai segundo o coração de Deus é um que age para os seus filhos não em termos de sentimentos emocionais ou algo parecido. É o que governa sua família nos termos da santa Lei de Deus. Ainda que emocionalmente ele possa amar sua segunda mulher e seu primogênito dela mais do que o outro, ele não pode decidir de forma egoísta honrar essa criança a despeito da outra. Direitos são dados por Deus e devem ser mantidos em termos de ordem segundo os preceitos de Deus.

O princípio básico dessa lei é que a criança de Deus não pode ser deserdada. Não o sentimento, mas a lei moral deve determinar a conduta paterna frente à sua família. A Lei de Deus governa a vida familiar. Deus se interessa com a continuação e sucessão de sua aliança com as gerações familiares. O Homem não pode interrompê-la com impunidade.

As ideias da sucessão da aliança e a outorga de herança são muito importantes para o cristão. A sucessão da aliança une gerações. Ela enfatiza que o trabalho do passado seja enviado às gerações futuras por meio da herança da aliança.

“Eis que os filhos são herança do SENHOR, e o fruto do ventre o seu galardão.” (Salmos 127:3)

2. Interrupção da Aliança e a criança não escolhida de Deus

No segundo caso da lei nos foi apresentada uma situação oposta. Ao invés de assegurar a sucessão da aliança, somos chamados à sua interrupção. Essa lei é tão importante quanto a anterior; elas logicamente ocorrem juntas para governar contra os extremos. Deuteronômio 21:18-21 diz:

“Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der ouvidos, Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e temerá.“

Novamente, os oponentes da lei de Deus tentarão fazê-la algo que não é. Eles tentam desautorizá-la apelando à suposta crueldade dessa passagem. Mas observemos algumas coisas em resposta a tais alegações:

Primeiro, essa lei não se aplica às crianças pequenas. O texto claramente apresenta ações de uma criança grande, não de um adolescente: ele é um que é “beberrão” e incontrolável. Isso não reclama a pena capital para uma criança de dez anos de idade.

Segundo, essa lei não reclama a pena de morte por simples bebedeira (por mais perversa que a bebedeira seja). O que é apresentado aqui é uma complexidade de características perversas em uma única pessoa: ele é teimoso, rebelde, um beberrão, um glutão. Essas são expressões de indisciplina perigosa e crimes incorrigíveis. Não se trata de um único ato ou de vários atos ocasionais. É um estilo de vida já estabelecido de comportamento arriscado. De fato, é uma conduta pública imprópria e possível de provar em julgamento: “seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz.“ (v. 20a).

Terceiro, o oponente dessa lei que alegar sua imoralidade coloca-se a si mesmo em uma posição desconfortável. Não apenas é a Lei de Deus, mas também Jesus Cristo confirma isso no Novo Testamento. Em Mateus 15:1-4, Jesus cita tal lei assim como é registrada em Levítico 20:9:

“Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão. Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá.  (…) Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.”

O ensinamento fundamental dessa lei é que a família deve alinhar-se com Deus e sua Lei antes do que por laços de sangue ou apegos emocionais, como tão recorrentemente tem sido. Deus e sua Lei devem ter prioridade sobre sentimentos e apegos.

Jesus falou sobre o abandono dos apegos naturais à família em Mateus 10:43-38:

“Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; E assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim.“

Obviamente nosso Senhor não está pedindo o enfraquecimento ou a destruição do lar. Ele está chamando para o reconhecimento da prioridade fundamental: o Senhor deve ser o primeiro em nossa vida. Essa é a principal ideia de ele ser o “Senhor”!

Quão rotineiramente nas notícias lemos sobre mães e pais pedindo por misericórdia por seus filhos que cometeram assassinatos! Isso os coloca diretamente contrários a Deus e sua Lei para os homens. Todo homem tem um pai e uma mãe! Deverá então todo assassino ser libertado? Os pais segundo o coração de Deus são pais que seguem a Deus e sua lei, não importando para onde isso os leve. Isso é o que significa “o temor de Deus”, que é tão falado tanto no Velho quando no Novo Testamento. Os pais segundo o coração de Deus são os que romperão com seu filho quando ele estiver em rebelião perigosa e determinada contra Deus e o homem.

Não sangue, mas fé deveria reinar sobre nós. Não dó, mas a Lei de Deus deve dirigir nossa conduta perante estes que se colocaram contra Deus – mesmo que sejam nossos próprios filhos.

A recusa humanista de seguir conceitos como os encontrados na Lei de Deus já causou sérios problemas de consequências em âmbito nacional no passado. Quantas vezes os monarcas na Europa não já foram salafrários afligindo cidadãos com barbaridades e nações vizinhas com guerras sem sentido. E os monarcas foram estabelecidos por linhagem familiar. Quase sempre os maus reis e rainhas foram conhecidos por serem perversos antes mesmo de serem coroados. Eles poderiam ter sido mortos por pais segundo o coração de Deus. Eles poderiam ter sido deserdados e a nação teria sido poupada de muita desgraça.

Considere também a ação de Deus perante o seu primogênito, Israel. Êxodo 4:22 diz: “Israel é meu filho, meu primogênito”. Mesmo assim, Jesus ensina em Mateus 8:10-12 que Israel será banido: “Em verdade vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tanta fé. Mas eu vos digo que muitos virão do oriente e do ocidente, e assentar-se-ão à mesa com Abraão, e Isaque, e Jacó, no reino dos céus; E os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes” . Deus rompeu com seu filho primogênito, Israel, porque Israel rejeitou e crucificou Jesus Cristo. E então nos adotou!

Existem várias conclusões que podem ser extraídas desta lei de nosso Deus. Algumas são conclusões relacionadas à família; outras, ao governo:

1) A família está sobre uma obrigação moral de deixar fora os filhos rebeldes, desertando-os. Se a Lei de Deus encoraja os pais a delatar o filho perverso às autoridades civis, ela claramente a recusa de subsidiar o filho ímpio em vida. Toda riqueza que temos vem de Deus. Ela deve ser usada para Deus e para as obras de seu reino. Não se deve permitir que ela se passe às mãos dos rebeldes, nem mesmo se forem nossos próprios filhos.

2) Nos raros casos em que os pais enfrentam a situação em que tenha sido provado que um de seus filhos seja criminoso, os pais devem defender o que é correto. Eles não devem se unir ao filho perverso contra a lei e à ordem ao clamar por misericórdia. Isso pode ser difícil emocionalmente, mas é o correto perante a luz da santa Lei de Deus.

3) A Lei tem em alta estima o lar e o controle dos pais dentro do lar. Os pais segundo o coração de Deus disciplinam o filho. E onde a disciplina não funciona, e quando o filho se torna perigoso, os pais segundo o coração de Deus o entregam às autoridades.

4) Existem limites à autoridade dos pais. Na lei romana, o pai tinha o direito de matar seu próprio filho se julgasse necessário. Mas na lei Bíblica, a autoridade dos pais em disciplinar é limitada ao castigo. Ele não pode matar o filho. Essa autoridade é empossada pelo governo civil.

5) Uma aplicação óbvia dessa lei seria a de que o governo civil deveria ter leis que apelassem à pena de morte para criminosos incorrigíveis. No caso apresentado, o filho rebelde é claramente incorrigível. Ele é uma ameaça à sociedade, que constantemente está envolvida em conduta criminal. No lugar de alojar e alimentar o criminoso corrompido com o dinheiro de pagadores de impostos, o governo deveria colocar o malfeitor à morte.

Conclusão

Nosso Deus ama a família. Os pais segundo o coração de Deus não podem deserdar seus filhos santos. Devem antes lhes providenciar uma herança.

Contudo, nossa família não é nosso Deus! A Lei de Deus deve reinar sobre nossa vida, mesmo nas situações difíceis aonde o pai é colocado contra o filho.

Devemos dizer a nossos filhos o quanto são importantes para nós. Devemos dizê-los que nosso amor por eles é governado pela Lei de Deus. Eles devem ter a certeza de que faremos tudo o que Deus nos ordena a fazer. Nós os deixaremos herança se viverem segundo o coração de Deus. Mas iremos também deserdá-los se não seguirem a Deus.

Fonte: Monergismo
Autor: Kenneth Gentry